O recente projeto de lei sugerido pela bancada do agronegócio, que propõe o aumento da mistura de etanol na gasolina de 27% para 35%, está ganhando força e, se aprovado, deve impactar diretamente os motoristas brasileiros. Essa mudança pode trazer efeitos tanto no consumo de combustível quanto no desempenho dos veículos, especialmente para os carros flex e monocombustíveis. Neste artigo, vamos discutir tecnicamente esses impactos e fazer uma comparação com base em modelos de carros populares no Brasil.
O que você vai ver aqui
O que muda com o aumento para 35% de etanol na gasolina?
Atualmente, a gasolina vendida nos postos no Brasil contém 27% de etanol anidro (E27). O aumento para 35% de etanol (E35) significa uma proporção maior de um combustível que, embora renovável e menos poluente, tem menor densidade energética em comparação à gasolina pura. Isso significa que, para gerar a mesma quantidade de energia, é preciso queimar mais etanol do que gasolina, o que afeta o consumo de combustível.
Efeitos nos veículos flex: aumento de consumo e leve queda no desempenho
Os carros flex foram projetados para rodar com uma mistura variável de etanol e gasolina, além de poderem usar etanol puro (E100). Porém, a adição de uma maior quantidade de etanol à gasolina pode trazer alguns efeitos:
- Aumento do consumo: Veículos flex consomem mais combustível quando o teor de etanol aumenta. Isso acontece porque o etanol possui cerca de 70% da energia contida na gasolina. Com 35% de etanol, o carro precisará de mais combustível para percorrer a mesma distância. Por exemplo, um carro que faz 10 km/l com gasolina E27, poderá passar a fazer cerca de 9 km/l com E35, uma redução de aproximadamente 10% na autonomia.
- Desempenho: Apesar de o etanol ter algumas vantagens, como maior octanagem, que melhora a resistência à detonação, o aumento de sua quantidade na mistura com gasolina pode impactar levemente o desempenho, especialmente em situações que exigem mais torque e potência, como subidas e ultrapassagens.
Exemplo de comparação de consumo: Carros Flex
Modelo de Carro Flex | Consumo com E27 (km/l) | Consumo estimado com E35 (km/l) |
---|---|---|
Chevrolet Onix 1.0 | 14,0 | 12,6 |
Fiat Argo 1.3 | 12,5 | 11,3 |
Volkswagen Polo 1.6 | 13,9 | 12,5 |
Esses números são estimativas, considerando que o aumento do teor de etanol pode reduzir a autonomia em torno de 8% a 12%, dependendo do modelo.
Efeitos nos veículos monocombustível a gasolina
Os carros projetados para rodar apenas com gasolina (monocombustível) também sofrerão com o aumento de etanol. Como eles não possuem sistemas tão avançados de ajuste da mistura quanto os veículos flex, as consequências podem ser mais acentuadas.

- Aumento do consumo: Da mesma forma que nos veículos flex, o aumento no teor de etanol na gasolina resultará em maior consumo. Para carros a gasolina, a perda de eficiência energética será similar ou até um pouco maior, pois esses veículos não foram projetados para lidar com altas concentrações de etanol.
- Desempenho e durabilidade: O aumento de etanol pode impactar negativamente o desempenho desses veículos, uma vez que eles são calibrados para rodar com gasolina pura ou com baixos níveis de etanol. Além disso, o etanol é um solvente, o que pode aumentar o desgaste de peças e reduzir a durabilidade de alguns componentes, como os bicos injetores e as vedações do motor.
Impactos Ambientais: Menos poluição, mais consumo
A adição de etanol na gasolina traz benefícios ambientais, como a redução nas emissões de poluentes locais (monóxido de carbono e hidrocarbonetos não queimados). Isso ocorre porque o etanol é considerado um combustível mais limpo. Contudo, como o consumo de combustível tende a aumentar, a emissão total de dióxido de carbono (CO₂) — principal gás de efeito estufa — também aumentará, o que pode mitigar parte desses benefícios.

Por que o agronegócio apoia essa medida?
O setor do agronegócio, especialmente os produtores de cana-de-açúcar, apoia fortemente o aumento da proporção de etanol na gasolina. O Brasil é um dos maiores produtores de etanol do mundo, e essa mudança favorece a demanda pelo biocombustível, gerando mais negócios para o setor agrícola e aumentando a exportação de gasolina refinada. Além disso, a medida é vista como uma forma de impulsionar a produção nacional e reduzir a dependência de combustíveis fósseis importados.
Como os órgãos do governo estão avaliando?
Órgãos reguladores como a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) e o Conselho Nacional de política Energética (CNPE), estão estudando os impactos dessa mudança. A tendência é que o governo aprove essa medida com base nos benefícios econômicos e ambientais. No entanto, será necessário encontrar um equilíbrio, considerando o impacto que o aumento de etanol pode causar no bolso dos consumidores, já que o aumento de consumo vai resultar em mais gastos com combustível.

O que esperar dessa mudança?
Se o aumento do etanol de 27% para 35% na gasolina for aprovado, os motoristas devem estar preparados para uma pequena queda na eficiência de seus veículos, com aumento no consumo de combustível e uma leve queda no desempenho, principalmente em veículos a gasolina. Embora o impacto seja maior nos carros monocombustível, até mesmo os flex, que são projetados para lidar com a mistura, sentirão a diferença.
Olá Ednei, boa noite.
Li sua matéria com atenção e fiquei em dúvida sobre a origem da informação de que haveria uma redução de 10% no desempenho dos carros ao aumentar a mistura de etanol de 27% para 35%. Fiz alguns cálculos com base em parâmetros de consumo que acredito serem representativos e gostaria de compartilhar minha análise com mais detalhes.
Para estimar o desempenho do carro utilizando gasolina pura (E0%), usei a seguinte fórmula:
Desempenho_Gasolina(E0%) = ((Desempenho_E27) – (0,27 × Desempenho_E100)) / (1 – 0,27)
Com os valores de referência:
Desempenho_E27 = 10 km/l
Desempenho_E100 = 7 km/l
Substituindo na fórmula:
Desempenho_Gasolina(E0%) = ((10) – (0,27 × 7)) / (1 – 0,27)
Desempenho_Gasolina(E0%) = (10 – 1,89) / 0,73
Desempenho_Gasolina(E0%) = 11,11 km/l
A partir dessa estimativa, calculei o desempenho para uma mistura de E35% (35% de etanol):
Considerei que a redução de desempenho é proporcional à quantidade de etanol na mistura.
Desempenho_E35 = ((1 – 0,35) × Desempenho_E0%) + (0,35 × Desempenho_E100)
Desempenho_E35 = ((0,65 × 11,11) + (0,35 × 7))
Desempenho_E35 = 9,67 km/l
Portanto, ao comparar o desempenho de 10 km/l (E27%) com o desempenho estimado de 9,67 km/l (E35%), a redução é de aproximadamente 3,3%, e não 10%, conforme informado na matéria.
Gostaria de entender melhor os parâmetros utilizados no cálculo para chegar à redução de 10%. Caso haja outra metodologia aplicada, ficaria grato se pudesse compartilhar.
Parabéns pelo excelente conteúdo da matéria e pela abordagem de um tema tão relevante!
Abraços,
Cleber Ruiz
Olá, Cleber, bom dia!
Primeiramente, muito obrigado pelo seu comentário e pela análise detalhada. É sempre ótimo ver leitores engajados, trazendo dados e cálculos para enriquecer o debate!
A estimativa de redução de 10% apresentada na matéria foi baseada em duas frentes: estudos de montadoras e relatos do mercado automotivo que divergem um dos outros na porcentagem, além de testes práticos realizados com o meu próprio carro usando álcool , um Peugeot 208 2025 1.6 Flex. Para dar uma ideia do impacto, considerando que ele faz, em média, 12 km/l com gasolina (E27), com a mistura de 35% de etanol (E35), a diferença se torna transparente ao longo do tempo, especialmente em percursos urbanos onde o meu carro anda 100% do tempo, esta estimativa de 10% é especialmente para meu carro que já esta com 354 mil km, essa km também implica no desempenho de consumo.
Agora, vale lembrar que o aumento do etanol na gasolina tem algumas vantagens importantes, que vão além do consumo:
Redução no preço da gasolina : o etanol ajuda a baratear o custo final do combustível.
Diminuição da importação de gasolina : só em 2023, o Brasil importou 14% do que consumiu. Com mais etanol, reduzimos a dependência externa.
Fomento à produção de cana-de-açúcar : isso significa novos empregos, especialmente no setor agrícola, movimentando a economia.
Impacto positivo no meio ambiente : o etanol é menos poluente que a gasolina pura, o que contribui para um ar mais limpo e uma redução nas emissões de carbono.
Adorei sua metodologia, e a redução de 3,3% que você calculou faz todo sentido.
Inclusive, seria ótimo contar com sua colaboração para futuras discussões aqui no blog. Sua análise foi bem elabora e técnica gostei bastante e vou usar ela em pesquisas futuras pois podem trazer ainda mais precisão para nossos leitores.
Mais uma vez, obrigado pela contribuição! Vamos continuar debatendo e trocando ideias sobre temas tão importantes para os motoristas brasileiros.
Abraços,
Edinei Meneses, Custo Por Carros